Repressão a protestos sociais na Colômbia
Projeto CULTURAS DO ANTIRRACISMO NA AMÉRICA LATINA – CARLA*
COMUNICADO À OPINIÃO PÚBLICA
sobre
Repressão a protestos sociais na Colômbia
Um mês após a imensa eclosão social na Colômbia, resultado da indignação coletiva inicialmente suscitada por um pacote de reformas fiscais, trabalhistas e de saúde promovidas pelo governo, continuamos a ver com alarmante preocupação a persistência da violência homicida, a repressão policial e a flagrante violação de Direitos Humanos pelas forças de segurança. Até a data deste comunicado, e conforme relatado por várias organizações da sociedade civil, ONGs e observatórios de Direitos Humanos, 3789 pessoas foram vítimas de brutalidade policial. Entre elas, 1248 pessoas sofreram violência física com armas letais, 45 perderam a vida como resultado de ações conjuntas entre as forças de segurança e indivíduos paramilitares da sociedade civil, que, fazendo uso de armas de fogo, atiraram em manifestantes, sem terem sido responsabilizados por isso. Há também relatos de 25 vítimas de violência sexual, 65 vítimas de lesões oculares irreparáveis causadas por balas de borracha e outros objetos disparados pelas forças de segurança e 187 casos de disparos com armas de fogo, bem como 1649 detenções arbitrárias.
Grande parte dos atingidos, e protagonistas da mobilização, são jovens da chamada Primera Línea [“Linha de Frente”] que, desde barricadas, organizações de bairro e bairros empobrecidos de grandes e pequenas cidades da Colômbia – Cali, Bogotá, Medellín, Pasto, Tuluá, Buga, Manizales, Pereira, Buenaventura, dentre muitas outras – exigiram pacificamente a abertura de canais diretos de diálogo e mesas de trabalho com o governo nacional para chegar a acordos que garantam uma renda básica, o cancelamento de dívidas por estudos e educação gratuita, a democratização dos serviços de saúde e da vida coletiva no país, entre outras demandas incluídas na lista de reivindicações. Ao mesmo tempo, vários atos simbólicos foram realizados, por exemplo, membros do povo Misak derrubaram as estátuas dos conquistadores espanhóis em Popayán, Cali e Bogotá, o que permite questionar o passado como algo carregado de significado para o presente, assim como articular exigências de reparação histórica junto ao Estado, incluindo denúncias de racismo. Mas não foram apenas os Misak que realizaram atos simbólicos. As manifestações nos pontos de resistência incluíram todo tipo de ações artísticas e denúncias, incluindo murais, artes cênicas, marionetes, música, poesia e audiovisual. Depois de observar com horror a forma como os jovens da linha de frente foram alvo de morte e perseguição, houve atos de solidariedade por parte de mães, comunidades, profissionais de saúde, advogadxs, professorxs, religiosxs, artistas etc.
Essas demandas vêm se somar a uma longa história de desigualdades acumuladas com um forte viés étnico racial, resultado de um sistema capitalista sobreposto a uma base colonial e escravista que facilitou a dominação econômica e a monopolização de grande parte da terra cultivável e outros recursos por uma pequena elite, em sua maioria branca-mestiça. Essas desigualdades foram exacerbadas nas últimas décadas pelo controle dos recursos naturais por membros do narcotráfico em conluio com o Estado, grupos guerrilheiros, capital privado e famílias latifundiárias, uma situação que acelerou o processo histórico de deslocamento das comunidades indígenas, afrodescendentes e camponesas de seus territórios. Ao mesmo tempo, a pulverização de glifosato pelo governo nacional como parte do programa de erradicação de culturas ilícitas afetou a saúde e os territórios dessas comunidades, um fato que se somou a outros fatores históricos de deslocamento no país.
A reação imediata e contundente de um governo politicamente deslegitimado diante da mobilização social foi criminalizar o protesto, desconsiderar as reivindicações, redobrar a militarização em cidades como Cali e Bogotá, e apresentar os jovens como vândalos e criminosos, associando-os a setores da guerrilha do ELN e de dissidências das FARC que perseguem seus próprios interesses políticos. Ao mesmo tempo, ignorou a responsabilidade conjunta das forças de segurança nos atos de violência a elas atribuídos; permitiu que civis de classes abastadas disparassem contra manifestantes desarmados com armas de fogo; e se recusou a dialogar e reconhecer a justeza das demandas dos jovens e trabalhadores cujas vidas foram visivelmente precarizadas pela pandemia. Em resposta, o alto comando do governo, em coordenação com o ESMAD (Esquadrão Móvel Antidistúrbios) e a Polícia Nacional, procurou construir a imagem de um inimigo interno cujos representantes seriam a juventude indignada que marcha por seus direitos e a minga (grupo de mobilização e resistência) indígena do Cauca. Também implementou uma estratégia divisionista, reunindo-se isoladamente com associações empresariais e fomentando divisões sociais entre aqueles que estão divididos entre apoiar ou criminalizar o protesto social, em uma atmosfera generalizada de tensões racistas e classistas.
Nós, integrantes do projeto Culturas do Antirracismo na América Latina – CARLA, repudiamos categoricamente o uso da violência para silenciar o legítimo direito ao protesto social e a interdição antidemocrática da entrada no país de comissões internacionais e observadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para verificar a situação. Repudiamos também a brutalidade da repressão das forças públicas contra os jovens que marcham e se organizam para proteger e preservar a própria vida no âmbito da GREVE NACIONAL, particularmente nas jornadas noturnas. Instamos o governo nacional da Colômbia a ouvir os cidadãos em suas justas demandas em relação às desigualdades sociais, ao racismo estrutural e à exclusão, e a recuperar a confiança dos cidadãos em suas instituições. Reiteramos nosso apelo quanto: 1) ao desmonte ou suspensão das ações do ESMAD até que as violações de direitos humanos a ele atribuídas sejam esclarecidas e investigadas; 2) ao reconhecimento, cessação imediata e sanção dos excessos de autoridade cometidos pela força pública; e 3) à busca imediata de respostas claras à insatisfação generalizada, pelo bem e pela mudança necessária de um país que busca sobreviver a uma das crises econômicas, sociais e políticas mais devastadoras de sua história recente.
Bogotá, 4 de junho de 2021.
Nós, abaixo assinadxs, agimos como cidadãs e cidadãos livres de nossos respectivos países em apoio à situação na Colômbia; nossas opiniões não representam necessariamente as posições das instituições às quais estamos afiliadxs.
Assinam – membros do Projeto CARLA na Colômbia, na Argentina, no Brasil e no Reino Unido.
Dra. Mara Viveros-Vigoya, Profesora Titular Facultad de Ciencias Humanas, Universidad Nacional de Colombia
Dr Peter Wade, Profesor Titular de Antropología Social, University of Manchester
Dr. Carlos Correa Angulo – Antropólogo y Lingüista. Research Associate, University of Manchester
Liliana Angulo Cortés, Artista plástica y gestora cultural / Colectivo Aguaturbia / Grupo de archivo y memoria de la Comuna 6 de Buenaventura / Wi Da Monikongo. Consejo Audiovisual Afrodescendiente de Colombia.
Dra. Ana Vivaldi – Antropóloga y docente universitaria. Research Associate, University of Manchester.
Dra. Jamille Pinheiro Dias – Doutora en Letras y investigadora. Research Associate, University of Manchester
Miriam Alvarez – Profesora y teatrera mapuche, Docente de la Universidad Nacional de Río Negro y directora del Grupo de Teatro Mapuche El Katango
Dr. Ezequiel Adamovsky, Historiador, Universidad de San Martín/CONICET
Rossana Alarcón – Artista visual y Estudiante de la Maestría de Estudios Culturales de la Universidad Nacional de Colombia, Investigadora asistente proyecto CARLA – Colombia.
Rafael Palacios, Bailarín coreógrafo, activista, Magister en Educación y Derechos Humanos. Fundador Corporación Cultural Afrocolombiana Sankofa.
Dr. Pedro Mandagará – Professor de Literatura Brasileira, Universidade de Brasília
Alejandra Egido Directora de la Compañía teatral Teatro en Sepia.
Alejandro Frigerio – Profesor de FLACSO Argentina – Investigador Principal del CONICET
Dr. Ignacio Aguiló, profesor asociado de estudios culturales latinoamericanos, Universidad de Manchester
Lúcia Sá, Profesora Titular de Estudios Brasileños, Universidade de Manchester
Dr. Felipe Milanez, Professor Associado, Instituto Milton Santos de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC), Universidade Federal da Bahia
Arissana Pataxó, Artista, Doutoranda em Artes, Universidade Federal da Bahia, Brasil
Naine Terena, artista, curadora e professora, Faculdade Católica de Mato Grosso, Brasil
Denilson Baniwa, artista, Amazonas, Brasil
*Nota: CARLA é um projeto internacional de pesquisa sobre arte e antirracismo que envolve pesquisadorxs e artistas do Reino Unido, do Brasil, da Colômbia e da Argentina. Para mais informações, acesse https://sites.manchester.ac.uk/carla/ https://sites.manchester.ac.uk/carla/
0 Comments